EX – LIBRIS
Não é bom apertar a alma, para ver si sai tinta.
O papel continua sendo o assassino -o assassino de ti-
e talvez é melhor que a sombra e que suas adagas
por antigas vozes vão descalças. Por antigas vozes,
muito longe do número e seus cárceres, entre névoas
esquecidas. Mas também penso que com isto
talvez possas fazer algum dia um caderninho;
que com tudo isso -rubros, névoas e meninos
que dizem adeus entre si pelas esquinas- talvez sim possas
reunir uns ilegíveis pedaços de diário
para com paciência remendá-los, pela tarde adentro,
até que desajeitadamente formem um livro feito de frio.
E tal vez sobre as suas capas cinzas de chuva
tu possas pôr também meu nome antigo
e, justamente sob, as conhecidas datas
de meu nascimento e morte. E então
meu nome pequeno ali, meu nome -pobre-
que não sei mais se provoca tristeza ou riso
assim gravado em capas
diante das que possas abraçar as evaporadas silhuetas
de uns tristes fantasmas sentimentais que não sou
mas que os velhos papéis teimosamente dizem que fui.
No es bueno apretar el alma, por ver si sale tinta.
El papel sigue siendo el asesino el asesino de ti-
y quizá es mejor que la sombra y que sus dagas
por antiguas voces descalzas vayan. Por antiguas voces,
muy lejos del número y sus cárceles, entre nieblas
olvidadas. Pero también pienso que con todo esto
tal vez puedas hacer algún día un cuadernillo;
que con todo esto rojos, nieblas y niños
que se dicen adiós por las esquinas- quizá sí puedas
reunir unos ilegibles pedazos de diario
para con paciencia zurcirlos, tarde adentro,
hasta que torpemente formen un libro hecho de frío.
Y quizá sobre sus grises tapas de lluvia
puedas tú poner también mi nombre antiguo
y, justo debajo, las sabidas fechas
de mi nacimiento y muerte. Y entonces
mi nombre pequeño allí, mi nombre pobre-
que no sé ya si da pena o si da risa
así grabado en unas tapas
ante las que puedas abrazar las evaporadas siluetas
de unos tristes fantasmas sentimentales que no soy
pero que los viejos papeles tercamente dicen que sí fui.
Ex libris, de Santiago Montobbio
Hospital de Inocentes, Editorial Devenir, Madrid, 1989
Tradução: Ester Abreu Vieira de Oliveira
Revista da Academia Espírito-Santense de Letras, Vitória, Brasil, 2004, p. 94-95.